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segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Retratos da Retratos da Política no Campo Brasil 1962-1985

O impacto da repressão política no meio rural
 
O impacto da repressão política no meio rural
28/01/2011 16:41
MDA e SEDH lançam livro com histórias e narrativas de camponeses torturados, mortos e desaparecidos na época da ditadura
Mais uma importante ação no sentido de consolidar o respeito aos Direitos Humanos chega a público, em um livro que reúne informações de acervos e arquivos, além de relatos de experiências do período da ditadura militar, desta vez com o olhar voltado à memória dos trabalhadores rurais brasileiros.
Fruto de parceria entre o Ministério do Desenvolvimento Agrário e a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, a publicação “Retrato da repressão política no campo – Brasil 1962-1985 – Camponeses torturados, mortos e desaparecidos” lança luz a uma época de nossa história marcada por arbitrariedades, pela censura e violência. No caso do meio rural, com um agravante: além de comandada diretamente pelo Estado, pela ação das forças policiais e do exército, a repressão política no campo se caracterizou também pela ação de milícias e jagunços a mando de latifundiários.
O objetivo da publicação é, de acordo com as autoras, as antropólogas Ana Carneiro e Marta Cioccari, romper com o silêncio introjetado pelos longos anos de ditadura e dar visibilidade à repressão ocorrida no campo no período. No texto foram registradas as próprias narrativas dos trabalhadores e dos líderes que sofreram violências, assim como dos sobreviventes da repressão do aparato militar e das ações criminosas de senhores de engenho e empresas, por meio de seus capangas.
“O fato de termos dado voz aos camponeses neste livro ajuda a fornecer uma dimensão mais rica e impactante dessa página trágica da história do Brasil e a revelar, ainda que parcialmente, algo dessas memórias dolorosas não dizendo respeito aos camponeses, mas a todos os brasileiros. Devemos considerar, ainda, o fato de que essas violências no campo não desapareceram: continuam ocorrendo de forma flagrante e escandalosa em determinadas regiões do país”, ressalta Marta.
Para a produção do livro, as autoras tiveram acesso a importantes acervos de pesquisa e centros de memória, contando com a colaboração de diversos pesquisadores de destaque no cenário nacional. Uma base importante para o trabalho foram os registros escritos e audiovisuais do Projeto Memória Camponesa, coordenado pelo prof. Moacir Palmeira e conduzido no âmbito do Núcleo de Antropologia da Política do Museu Nacional (NuAP/MN/UFRJ), com apoio do Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural  do MDA (NEAD). O Projeto Memória Camponesa realizou diversos seminários e encontros nos estados brasileiros, em parceria com universidades e entidades sindicais, e guarda depoimentos de vários líderes sindicais e de trabalhadores. Acervos de outras universidades também foram consultados e, além disso, aqueles criados pelos próprios trabalhadores e líderes locais em lugares que foram palcos de antigos conflitos, tais como Sapé (PB), Brotas de Macaúbas (BA) e Trombas e Formoso (GO).
As autoras também fizeram viagens de campo a São Paulo, a Pernambuco, ao Ceará, ao Distrito Federal e a Goiás. Foram feitas cerca de 15 entrevistas com líderes sindicais e com assessores de entidades e, adicionalmente, a investigação do tema se baseou em filmes, livros acadêmicos e jornalísticos, produções audiovisuais e transcrições de depoimentos colhidos em projetos diversos.
O livro Retrato da repressão política no campo está disponível para download gratuito no Portal NEAD
http://www.nead.gov.br/portal/nead/publicacoes/

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011







A improvisação de Carlitos
Elias Thomé Saliba
A invenção do cotidiano
Michael de Certeau
Tradução: Ephraim Ferreira Alves
Vozes, 351 págs.

A vida cotidiana, no seu misto de inércia e rotina, nunca constituiu um tema muito nobre para as ciências humanas, nem fundou uma escola de historiadores ou cientistas sociais. Foi só através de um intenso exercício de inquietação crítica, que rejeitava grandes teorias sociais e construções abstratas, que o tema do cotidiano foi ganhando espaço nas ciências humanas nos últimos dez anos. Exercício de reflexão estimulado pelas próprias experiências históricas mais recentes, nas quais a cultura passou a ser celebrada como motivadora de significativas transformações sociais.
Publicado originalmente em 1980, "A Invenção do Cotidiano", de Michel de Certeau, é um livro pioneiro nesse exercício de desvendar as práticas culturais contemporâneas, vistas aí, não mais do ângulo elitista da razão técnica e produtivista, mas pelo lado mais fraco da produção cultural: o da recepção anônima, da cultura ordinária, da criatividade das pessoas comuns.
Para além de certa vertigem populista, por aí já se vê que estamos diante de um livro difícil que não se contenta em definir, ingenuamente, o popular através do povo e/ou vice-versa. Profundamente insatisfeito com as teorias sociais, que pintam o quadro de uma sociedade estruturada em papéis abstratos e estereótipos, Certeau procura esboçar uma teoria das práticas cotidianas e identificar uma espécie de lógica operatória nas culturas populares. Lógica do avesso e da teimosia, fundada quase que apenas no real, pois recusa a escrita como espaço da dominação e do controle; lógica do informal, porque utiliza suas táticas conforme as estratégias dos outros; lógica do instável, porque, sem qualquer ponto de ancoragem emocional busca, afinal, a própria sobrevivência.
Lógica que é muito mais uma "arte de fazer", pois as experiências do homem ordinário não se deixam aprisionar pela linguagem escrita: quer se trate da voz do selvagem, dos primeiros relatos etnográficos, do ato de assistir TV ou de enveredar pelas inesperadas ruas das grandes cidades. Certeau quer buscar uma lógica cujos modelos remontam talvez às astúcias multimilenares dos peixes disfarçados ou dos insetos camuflados e que, em todo caso, é ocultada por uma racionalidade hoje dominante no Ocidente. Por isso, busca exemplos em tradições, provérbios e atitudes que a cientificidade do Ocidente ocultou: a "Arte da Guerra" de Sun Tze, da tradição chinesa; ou o "Livro das Astúcias", da tradição árabe.
Mas encontra "artes de fazer" em todas as sociedades: cita episódios relacionados às gestas de Frei Damião, no Brasil; episódios de "Robinson Crusoé" ou, até, do impagável Carlitos, de Chaplin. Com seu bigodinho e andar de pato, Carlitos tece a rede de uma antidisciplina: rejeita destinos prévios e trajetórias previsíveis, e resiste, com a leveza do lúdico, a toda situação opressiva. Na improvisação sem limites, Carlitos rejeita toda mecanização, procura sempre contornar a dificuldade em vez de resolvê-la e, nesta sua não-aderência às coisas e aos acontecimentos, parece revelar-nos que os objetos de nossa cultura se inscrevem no vazio, não têm qualquer futuro, a não ser fora do sentido que a sociedade lhes atribui.
Por que na cultura, a eficácia da produção teria que produzir necessariamente uma eficácia no consumo? Demontando a suposta passividade do leitor-consumidor, Certeau nos oferece páginas luminosas sobre a atividade da leitura. Mais que mera submissão ao mecanismo textual -do livro, do espetáculo ou de qualquer outro produto cultural-, a leitura é um "ato de espreitamento", uma viagem de nômade, sem paradas obrigatórias: o telespectador lê a paisagem de sua infância na reportagem de atualidades, pois ler "é constituir uma cena secreta", lugar onde se entra e se sai à vontade; é criar cantos de sombra e de noite numa existência submetida à transparência tecnocrátrica. Ou, como concluiu poeticamente Marguerite Duras: "Talvez se leia sempre no escuro... a leitura depende da escuridão da noite. Mesmo que se leia em pleno dia, fora, faz-se noite em redor do livro".
Nem o marxismo, nem as concepções liberais, com suas ambições totalizantes, foram capazes de perceber na vida cotidiana este espaço de gestação de processos alternativos, de esperteza e de inventividade, que se forjava à revelia dos cerrados processos de hegemonia e dominação na modernidade. Certeau faz verdadeiros malabarismos teóricos para se equilibrar entre Freud, Foucault e Bourdieu, mas parece encontrar inspiração nos inquietantes fragmentos de Wittgenstein. Talvez porque o historiador saiba, como o "homem ordinário" de Wittgenstein, que a página em branco é um lugar desenfeitiçado das ambiguidades do mundo e que as narrativas do cotidiano estão mais próximas da intensidade da vida real.
ELIAS THOMÉ SALIBA é professor de teoria da história do departamento de história da USP, autor de "Utopias Românticas

Folha de São Paulo











http://resenhasbrasil.blogspot.com/2009/06/invencao-do-cotidiano.html